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A Engrenagem do Capital: Estruturas organizacionais e a Alienação do Trabalhador

  • Foto do escritor: Alexandre Lombardi dos Santos
    Alexandre Lombardi dos Santos
  • 31 de dez. de 2024
  • 8 min de leitura
funcionaria expõe notas , possivelmente processos a serem seguidos
funcionária expõe notas, possivelmente processos a serem seguidos

Em sua essência, a ideologia da classe dominante refere-se a um conjunto de crenças, valores, normas e atitudes promovidas pela classe social mais influente e poderosa em uma sociedade. Essa classe, muitas vezes referida como a “elite” ou a “classe dominante”, detém uma porção desproporcional de riqueza, influência política e controle sobre instituições-chave, como a mídia, a educação e grandes corporações.

 

A ideologia que eles defendem serve como um meio de justificar e manter sua posição privilegiada no topo da hierarquia social. É importante notar que essa ideologia não é necessariamente um esquema consciente ou intencionalmente malicioso. Em vez disso, ela opera frequentemente de forma sutil e implícita, sendo internalizada tanto pela classe dominante quanto por aqueles que estão sujeitos a ela.


Uma das consequências mais significativas da ideologia da classe dominante é a alienação dos trabalhadores. Alienação, neste contexto, refere-se à sensação de distanciamento e desconexão que os indivíduos experimentam em relação ao seu trabalho, a si e à sociedade em geral. Ela surge quando os trabalhadores sentem que não têm controle sobre suas vidas e que seu trabalho é desprovido de sentido e realização.

 

Os processos de gestão corporativa desempenham um papel crucial na reprodução da ideologia da classe dominante e no aprofundamento da alienação dos trabalhadores. As organizações contemporâneas operam sob regras e padrões de funcionamento, com processos e tarefas formalmente documentados e instituídos. Essa estrutura é fruto da evolução das teorias administrativas, desde a Administração Científica, passando pela Teoria Comportamental, até a Teoria da Contingência e a Teoria de Sistemas. 

 

Paralelamente, processos e metodologias desenvolvidos por empresas pioneiras e órgãos internacionais foram sendo adotados como padrões para a obtenção de resultados considerados ideais no contexto empresarial. Esses frameworks, como ITIL (Biblioteca de Infraestrutura de TI) e COBIT (Objetivos de Controle para Informação e Tecnologias Relacionadas) e metodologias de gerenciamento, inicialmente focados em eficiência operacional, foram sendo gradualmente incorporados a abordagens mais recentes como Lean e Agile.

 

Apesar de se apresentarem como inovadoras e focadas na adaptabilidade, vêm sendo adotadas massivamente pelo mercado, principalmente quando relacionados a projetos de Tecnologia. Essas metodologias são exatamente como manuais de operação; por exemplo: “Se falhar no item 9.3 os itens 12 e 15 serão impactados e para corrigir o item 9.3 refaça os itens 2 e 3. Os itens 20 e 30 podem ser executados ao mesmo tempo até que atinjam certo alvo”. E funciona. 

 

Este exemplo baseia-se na metodologia do PMI, mas a metodologia ágil funciona da mesma forma, com a diferença em alguns pontos. Por exemplo, ela é mais baseada em um acompanhamento maior e entregas menores, mas mais rápidas. As mudanças de uma metodologia para outra seguem o mesmo padrão, como era anteriormente com a metodologia por processos.

 

Entretanto, é crucial analisar criticamente o impacto desses processos e metodologias no ambiente de trabalho. Apesar de promoverem a organização e a padronização, eles podem atuar como delimitadores que contribuem para a alienação, a exploração e a supressão da criatividade e da inovação. Indicadores como o aumento nos índices de depressão e absenteísmo no trabalho, bem como a falta de motivação entre os colaboradores, sugerem consequências negativas da aplicação irrestrita desses modelos.

 

As organizações, como molas propulsoras do capitalismo, produzem bens e serviços a serem comercializados, mas também carregam em seu interior uma série de contradições. Estas, muitas vezes, são camufladas por um discurso aparentemente benéfico, sendo inclusive apropriado ideologicamente. O objetivo primordial de garantir o lucro por meio do controle de custos, tempo e recursos rege a dinâmica organizacional, e qualquer desvio do modelo padrão é frequentemente visto como um caminho para o fracasso.

 

As crises cíclicas do capitalismo permitem sua recomposição, mas as contradições internas, já amplamente estudadas, e a ideologia dominante disseminada em todos os níveis hierárquicos, dificultam as possibilidades de mudança. O pensamento meritocrático, a gestão do conhecimento empresarial, a especialização extrema e os sistemas que sustentam essas metodologias tornam-se a base para a mensuração das atividades. 

 

O trabalhador, nesse contexto, torna-se um agente passivo, dispondo apenas dessas ferramentas para registrar seu tempo, tarefas e responsabilidades. Sua autonomia para pensar e inovar é severamente limitada, transformando-o em uma peça na engrenagem, sem capacidade de promover transformações significativas.

 

Desde o taylorismo e o fordismo, passando pela Administração por Objetivos e chegando aos modelos mais recentes, os diversos frameworks de gestão são estruturados para atender aos requisitos do capital: maximização do lucro, obsolescência programada, redução de custos (muitas vezes através da automação) e reestruturações organizacionais. Nesse processo, direitos trabalhistas e salários, antes garantidos por lei, são frequentemente revogados ou reduzidos.

 

Quanto maior a organização, maior a complexidade do ambiente e a utilização de processos e metodologias, inclusive em função do aumento de fusões e incorporações de empresas menores por grandes corporações. 

 

Apostar em uma evolução intrinsecamente benéfica para os trabalhadores a partir do modelo atual parece improvável, considerando a tendência à redução de postos de trabalho devido à automação e à implementação de novos modelos de gestão e controle.

 

O trabalho, que antes seria responsabilidade de um indivíduo que executava a tarefa, agora é controlado, registrado e metrificado pela empresa. Esta detém não apenas o conhecimento necessário para a execução da tarefa, mas também dados sobre tempos, atividades e desempenho do trabalhador, facilitando sua substituição. 

 

Esse cenário dá origem a um novo tipo de trabalhador, os chamados “infoproletários” que são trabalhadores, em sua maioria terceirizados, que realizam atividades cada vez mais especializadas e fragmentadas, muitas vezes sem ter uma visão do todo do processo produtivo.

 

As organizações frequentemente focam nos aspectos positivos dessas transformações, omitindo informações relevantes e inacessíveis ao trabalhador. Por exemplo, a iminência de fechamento da empresa devido a fatores econômicos, ou a necessidade de automatizar processos para evitar demissões, utilizando a concorrência de mercado como justificativa. 

 

Ao trabalhador, restam poucas alternativas: seguir os processos instituídos sob a constante ameaça de punição, freando seu ímpeto criativo; ou questioná-los, exercendo seu potencial criativo e promovendo tentativas de mudança, correndo o risco de demissão ou marginalização.

 

Dessa forma, sempre haverá limitadores e obstáculos ao exercício pleno da capacidade criativa e transformadora do trabalhador, pois o sistema capitalista permeia todos os espaços. No mundo do trabalho, escapar de suas amarras é praticamente impossível, já que o trabalho, dentro desse sistema, é regido por processos, normas e sistemas cujos padrões são apresentados como paradigmáticos e pouco flexíveis.

 

É inegável que essas transformações têm ocorrido aceleradamente nas últimas décadas, impulsionadas pelo advento e evolução da tecnologia. As sociedades, por sua vez, se adaptam a esse sistema, mas, diferentemente de outras épocas, a sociedade atual tende a se conformar, muitas vezes iludida pelo discurso de que tais mudanças são benéficas. Se antes as mudanças eram percebidas apenas dos efeitos às causas, hoje elas são conhecidas, divulgadas e adotadas até mesmo por aqueles que deveriam questioná-las.

 

As ocupações que demandam maior esforço físico, geralmente localizadas na base da pirâmide organizacional, são as menos recompensadas, tanto social quanto financeiramente. Essa classe de trabalhadores, embora numerosa, encontra-se imobilizada e destituída da capacidade de contestação, oprimida pelos níveis superiores e pela ideologia dos detentores dos meios de produção. Para esses trabalhadores, o trabalho é, frequentemente, apenas um meio de subsistência.

 

Uma mudança no sistema poderia, teoricamente, ser gestada a partir da classe dominante. No entanto, esta, além de não ter interesse em promover mudanças que a prejudiquem, também é, em certa medida, vítima do discurso que lhe é imposto: a crença de que o sistema atual é o único possível e imutável.

 

  A sociedade é ideologicamente doutrinada pelo discurso capitalista vigente, e mesmo aqueles em posições superiores, apesar de também oprimidos em certa medida, não estão dispostos a renunciar a seu capital e posição social.

 

A alienação do trabalhador, como explicada por Marx, refere-se à incapacidade do indivíduo de se apropriar de seu trabalho e de ver nele uma identidade própria. Ao fragmentar um produto ou serviço em atividades desempenhadas por diversos trabalhadores, retira-se o sentido e o valor do trabalho individual, que só se torna perceptível na mercadoria final, muitas vezes inacessível a quem a produziu.

 

Outro fator que neutraliza qualquer mudança nas relações de trabalho ou nos processos de produção é a própria sociedade. Escolas, universidades, famílias e instituições em geral reproduzem a ideologia capitalista dominante. O indivíduo é preparado e doutrinado de forma que o pensamento crítico e o questionamento dos paradigmas instituídos são vistos como subversivos e fora de seu horizonte de possibilidades.

 

A meritocracia é parte integrante dessa ideologia. Ela atua como um catalisador entre o trabalhador e o trabalho, garantindo que os resultados sejam alcançados e as metas perseguidas em nome de um reconhecimento ou prêmio que, mesmo quando alcançado, rapidamente perde seu valor, pois novas metas e objetivos são imediatamente estabelecidos. O alcance dos objetivos, mesmo que subjetivamente, pode vir acompanhado de sentimento de culpa e autoengano, pois o resultado está sempre contaminado pela percepção do esforço coletivo, da falta de ética e da injustiça na distribuição dos “méritos”.

 

Em muitos casos, a transgressão de uma norma ou o desvio de um processo é legitimado por um superior hierárquico. Os modelos e processos são seguidos, na maior parte do tempo, não por sua existência em si, mas porque as situações cotidianas geralmente se encaixam no contexto esperado.

 

  Eles existem para garantir a existência da organização, mas não se sustentam por si só. Isso não seria um problema se não fossem propagandeados como a essência da organização. Valores, missão, objetivos, ética e responsabilidade social e ambiental tornam-se, assim, meros instrumentos de propagação da alienação.

 

Como exemplo da possível contradição entre processos e a realidade, podemos citar: a priorização de projetos lucrativos em detrimento de demandas legais, o conflito entre os interesses da administração e as demandas do cliente, mercado ou acionistas, ou a necessidade de aumentar a produtividade do trabalhador, levando-o, por exemplo, a automatizar uma atividade que pode tornar seu próprio trabalho obsoleto.

 

A divisão do trabalho em partes decrescentes, realizadas por diferentes pessoas de diferentes áreas e mediante sistemas de controle de fluxo, trouxe à atualidade o fordismo e o toyotismo em sua forma mais eficaz. Um simples processo de instalação de um servidor de e-mail, por exemplo, pode envolver sete ou mais equipes, ou profissionais diferentes, que muitas vezes não têm conhecimento do trabalho uns dos outros. 

 

A pergunta que fica é: por que chegamos a esse modelo de negócios, onde o ser humano, ao mesmo tempo, em que é peça-chave do desenvolvimento, é levado a produzir contra si e a promover seu próprio sofrimento? As estruturas organizacionais e a alienação do trabalhador estão evidentes


A resposta é complexa e exige uma reflexão profunda sobre as estruturas sociais, econômicas e tecnológicas que moldam o mundo do trabalho contemporâneo.

 

SANTOS , ALEXANDRE L. DOS. Processos e Metodologias de tecnologia de informação como mecanismos de alienação e controle soc... SÃO PAULO, p. 17, 2018.

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