Tecnologia e alienação nas organizações
- Alexandre Lombardi dos Santos

- 2 de nov.
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Atualizado: 3 de nov.

As organizações seguem determinadas regras e padrões de funcionamento, com processos e tarefas documentadas e instituídas formalmente, criadas geralmente por órgãos internacionais, que obtiveram os resultados esperados e tidos como bons, e ao longo do tempo foram sendo reconhecidas e adotadas como padrão de boas práticas pelas empresas. Essas “normas ou processos” foram sendo incrementadas e evoluindo até os modelos atuais, e continuam a evoluir à medida que o ambiente, as leis ou circunstâncias mercadológicas também evoluem.
Eles podem constituir um delimitador que mais contribui para alienação e exploração e tecnologia e alienação nas organizações , e, se consideradas as consequências ruinosas da sua utilização, poderemos, no mínimo, questionar os benefícios resultantes de tais técnicas. Processos como o ITIL, COBIT[1], [2] serão as metodologias citadas neste estudo, embasando as proposições apresentadas. Técnicas mais recentes, como Lean e DevOps, representam a tendência mais atual e “inovadora” sendo adotada maciçamente pelo mercado em níveis cada vez mais crescentes.
As organizações são a engrenagem quebrada do capitalismo, pois, apesar de produzirem os serviços ou produtos a serem comercializados, estas carregam no seu bojo um repertório de contradições, sendo camufladas no dia a dia e tornando-se carentes de sentido, sendo inclusive apropriadas ideologicamente. O objetivo de garantir o lucro através do controle dos custos, tempo e recursos são os princípios norteadores.
Organizações destoantes do modelo padrão estão fadadas ao fracasso. Crises sazonais do sistema capitalista o permitem se recompor e continuar seu ciclo, mas as contradições internas, amplamente já estudadas, e também a ideologia dominante disseminada e ocorrida em todos os planos da hierarquia organizacional, partindo dos níveis estratégicos, e sendo gradualmente adotada pelos níveis inferiores, tornam as possibilidades de mudança muito difíceis e o modelo instituído difícil de ser questionado.
O pensamento meritocrático, a gestão do conhecimento empresarial, a especialização absoluta e os sistemas que sustentam essas metodologias tornam-se a base para metrificar as atividades e o trabalhador disporá somente dessas ferramentas para registrar seu tempo de trabalho, tarefas, responsabilidade, etc. Assim, o empregado é um agente passivo no processo. Terá pouca ou nenhuma autonomia para pensar e inovar. Constitui-se uma peça da estrutura, sem capacidade de promover qualquer mudança.
Desde o taylorismo/Fordismo, passando pela teoria sistêmica e a administração por objetivos e a orientada por projetos, os diversos modelos de administração e gerenciamento, normas e padrões utilizados pelas organizações, são estruturados e definidos para atender aos requisitos do capital, pautados pelo lucro, criando a obsolescência programada, perseguindo a redução de custos, aumentando a automatização de processos, promovendo reestruturações, etc. Crises sistêmicas, redução de direitos trabalhistas e salários, antes garantidos pela lei, são cada vez mais iminentes de serem revogados ou reduzidos.
Apostar em uma evolução benéfica para a sociedade, partindo do modelo atual (que indica claramente a redução de muitos empregos com a adoção do Lean e do DevOps), não parece plausível. O trabalho, que antes era responsabilidade de um indivíduo, que desempenhava a tarefa, agora é controlado e registrado, sendo metrificado pela empresa, que possui todos os tempos, atividades e desempenho do trabalhador, além do conhecimento.Assim constrói-se e molda-se um novo tipo de trabalhador e uma nova classe, os “infoproletários”: ( . . Grupo de trabalhadores que tem crescido de maneira exponencial desde o início do ciclo de privatizações pelo qual passou o setor de telecomunicações no país na segunda metade da década de 1990. . . (ANTUNES, 2009, PÁG. 9)
Focando nos aspectos positivos, omitindo informações, aumentando a especialização por cursos custeados pela empresa, promessa de novos salários e cargos, inclusive, por exemplo, colocando a automatização como situação necessária a fim de evitar a falência ou mesmo demissões, pois a concorrência do mercado é a causadora de todas as mudanças, ao trabalhador restam poucas alternativas:
1) Trabalhar sob um paradigma negativo, ou seja, sua preocupação constante é não cometer desvios e seguir os processos instituídos sob a ameaça permanente da punição, porém freando e controlando seu ímpeto construtivo e criativo, aderindo aos processos e regras;
2) Questionando-as, transgredindo-as e exercendo seu papel criativo, incentivando ou promovendo tentativas de mudança. Nesse último caso, ainda terá de lutar para que suas habilidades e criatividade sejam ouvidas, muitas vezes ofuscadas pelo medo constante da demissão ou punição dos próprios companheiros, na maioria dos casos, limitando progressivamente suas capacidades inatas.
Visto dessa forma, concluímos que sempre haverá limitadores e obstáculos para o exercício pleno da capacidade de criar e transformar do trabalhador, pois todos são regidos pelos processos, normas e sistemas padrões Paradigmáticos, pouco flexíveis quanto à sua forma e estabelecidos formalmente como os melhores e consagrados.
É inegável que essas mudanças têm ocorrido assim, de forma que a sociedade as está percebendo. Mas, diferente de outras épocas, essa mesma sociedade tem se limitado a conformar-se, muitas vezes, iludida pelos donos do capital, de que tais mudanças são benéficas; noutros tempos, em que passava por elas, sem notar, e, somente depois, haveriam de reivindicar os benefícios perdidos, atualmente ocorre algo sem precedentes: as mudanças são conhecidas, divulgadas e adotadas voluntariamente justamente por quem deveria questioná-las.
Podemos estabelecer muitos níveis e graus diferentes de esforço, conhecimento, autonomia, formas, características, personalidade, interatividade, poder, etc. que os indivíduos devem possuir para a realização de atividades.Comumente, as ocupações que demandam maior esforço físico e estão nos níveis mais inferiores da pirâmide do poder são as menos recompensadas pelas benesses sociais e financeiras.
Essa classe de trabalhadores é a que teria a possibilidade de realizar alguma mudança, por serem em maior número, porém estão totalmente imobilizados e destituídos de qualquer capacidade do contraditório, ao serem oprimidos e cerceados pelos níveis superiores da pirâmide e pela ideologia imposta perversa do dono dos meios de produção, sendo que esses trabalhadores muitas vezes se veem na necessidade de subsistência e sobrevivência.
A mudança poderia ter sua gestação a partir da classe dominante. Porém, esta classe detentora dos meios de produção, além de não ter nenhum interesse em promover qualquer mudança que lhes tiraria o seu próprio poder, é vítima do mesmo engodo da classe dominante que as classes inferiores sofrem, ao acreditar no sistema que lhe é imposto. São subjugadas e são ideologicamente doutrinadas primorosamente pelo discurso capitalista.
Esses, apesar de também oprimidos, em uma posição superior aos dominados, têm mais poder, capital, posição social e superioridade sobre os demais, mas também não estariam dispostos a qualquer mudança que tivesse como consequência a perda do posição quo que detêm.
A alienação do trabalhador, conforme Marx explica: ( . . A forma das condições de trabalho alienadas deste, autônoma frente a ele, e, por isso, transfigurada, na qual os meios de produção criados se convertem em capital e a terra em terra monopolizada, em propriedade territorial, esta forma correspondente a um determinado período histórico, coincide, por conseguinte, com a existência e a função dos meios de produção criados e da terra no processo de produção em geral. . . ) (T.3, L.3, S.7, Cap. XLVIII, p. 831–832).
E amplamente debatido em inúmeras obras, significa a incapacidade do indivíduo de se apropriar do seu trabalho e de ver uma identidade única, sua, do resultado a que se dedicou. Ao desmembrar um produto ou serviço em atividades desempenhadas por diversos trabalhadores, retira-se também o sentido e o valor de seu trabalho, pois este só será perceptível na mercadoria final, muitas vezes também inacessível.
Em organizações menores, mesmo não havendo essa divisão do trabalho expressivamente, em pequenas e médias empresas, como comércio em geral, pequenas indústrias, e até no ramo de serviços, por exemplo, um vendedor de calçados, vê como único objetivo de seu trabalho, vender a maior quantidade de calçados, a fim de aumentar seus ganhos. A finalidade e o sentido do trabalho estão sempre subordinados ao capital ou são permeados por ele com a finalidade de aquisição de bens, posição social, etc. A alienação, portanto, é inerente ao sistema capitalista, é geral, e ocorre pelo fetiche da mercadoria. Outro fator neutralizante de qualquer mudança nas relações de trabalho ou nos processos de produção vigente é a própria classe dominada.
As escolas e universidades, bem como a família e as instituições em geral, são reprodutoras da ideologia capitalista e dominante. O indivíduo é preparado e doutrinado ideologicamente de maneira que pensar criticamente e questionar os paradigmas instituídos não somente é subversivo, mas também está além de seu horizonte de pensamento. Portanto, essa realidade que lhe é imposta é a única possível e viável e é a que lhe garante a sobrevivência. Para se manter empregado, o trabalhador deve produzir cada vez mais e melhor, por exemplo, automatizando uma atividade, mas aí, justamente pelo seu trabalho bem realizado na automatização, se tornará desnecessário e sem recursos para consumir esse mesmo produto, pois estará sem trabalho.
Essa é uma contradição sistêmica. Uma contradição interna seria o incentivo ao compartilhamento das informações com outros membros da equipe, pois a colaboração é um valor muito apreciado, temos de manter o conhecimento disperso, é dito nas reuniões. O objetivo, obviamente, é torná-lo dispensável e substituível.Por que na atualidade é comum a realização de atividades em forma de processos cada vez mais compartimentalizados, institucionalizados e especializados? Onde o conhecimento e a criatividade são retirados ao máximo do trabalhador?
A resposta é complexa, pois talvez a pergunta que deveríamos fazer seja por que chegamos ao modelo atual de negócios, onde o ser humano é peça-chave do desenvolvimento ao mesmo tempo em que é destinado a produzir contra si e a promover seu próprio sofrimento.
REFERÊNCIAS
ISACA. COBIT 5: Modelo Corporativo para Governança e Gestão de TI da Organização. 2017. Disponível em: <http://www.isaca.org/COBIT/Pages/COBIT-5- portuguese. aspx>. Citado na página 5.
CONTROL Objectives for Information and related Technology (COBIT). Disponivel em: <http://www.isaca.org>. Acesso em: 18 nov. 2017.
KÄHKÖNEN, T. Agile methods for large organizations - building communities of practice, 2004. Disponivel em: <http://dl.acm.org/citation.cfm?id=1025137>. Acesso em: 18 nov. 2017.
LAANTI, M.; SIMILÄ, J.; ABRAHAMSSON, P. Definitions of Agile Software Development and Agility, 2013. Disponivel em: <https://link.springer.com/chapter/1 0.1007/978-3-642-39179-8_22>. Acesso em: 18 nov. 2017.
PMI | Project Management Institute. [S.l.]: Project Management Institute, 2008. Disponivel em: <http://www.pmi.org>. Acesso em: 18 nov. 2017.
SCHNEIDER, J.-G.; VASA, R. Agile practices in software development - experiences from student projects, 2006. Disponivel em: <http://ieeexplore.ieee.org/documen t/1615073>. Acesso em: 18 nov. 2017.
ANTUNES, Ricardo & BRAGA, Ruy (orgs.). Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo, 2009.
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: ed. Record, 2001.






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